São José dos Pinhais (PR)

O cobrador está de passagem

A tecnologia permite às empresas abrir mão da figura do cobrador. Mas cuidar do componente humano é a chave para o sucesso

 

É um consenso entre empresários e especialistas: retirar o cobrador dos ônibus urbanos traz muito mais vantagens que incômodo aos usuários. O sistema fica mais eficiente e menos sujeito a fraudes e assaltos. E o preço das passagens tende a diminuir. Além disso, na luta do dia-a-dia para reconquistar os passageiros perdidos para outros modais, pode ser um trunfo e tanto. A chave é a tecnologia de pagamento e de recarga dos cartões de transporte, já testada e implantada com sucesso. No entanto, ainda são poucos os casos como o de São José dos Pinhais (PR), onde não só o cobrador, mas também o dinheiro em espécie foi completamente eliminado a bordo. Isso porque o componente político ainda é muito forte – o poder público e os sindicatos não costumam ser simpáticos à operação de substituição dos cobradores pela tecnologia, assim como resistem à ideia de não permitir o pagamento em espécie. Este componente também existia na cidade, na região metropolitana de Curitiba. Mesmo assim, as duas empresas locais de transportes (unidas em um consórcio) conseguiram, em pouco menos de 7 anos, tornar o sistema mais eficiente, seguro e barato – à custa de muito esforço e de um extremo cuidado com os funcionários, além de um trabalho incansável de convencimento da sociedade e das autoridades. Conhecer o caminho trilhado por elas pode servir de exemplo a outras empresas.

“Foi uma decisão política, que tinha por fim baratear o preço das passagens”, conta Beatriz Britto, diretora do Consórcio VEM São José e da Auto Viação Sanjotur. “Quando começamos, em 2012, o cenário era bem diferente. Nossa principal dor era o altíssimo turnover na função de cobrador, já que havia muito emprego disponível, ao contrário de hoje. Quando a Empresa 1 (responsável pelo sistema de bilhetagem do consórcio) nos apresentou a solução que permitia não só o pagamento eletrônico, como a instalação de uma rede de recarga, vimos que havia uma chance de, em conjunto com o poder público, não só resolver o problema de falta de mão-de-obra como baratear as passagens”, completa a executiva.

No entanto, o caminho ainda seria longo, assim como o aprendizado. O consórcio começou a implementar o sistema nas linhas noturnas, que seguiam sem cobrador – o motorista era responsável por cobrar de quem pagava em espécie. Porém, mesmo com uma diferença de 55 centavos a mais para o pagamento em dinheiro, cerca de 30% dos passageiros ainda insistiam em usar moeda a bordo.

“Percebemos que só o incentivo financeiro não iria mudar o quadro, precisávamos ser mais ousados, ampliar a rede de recarga e realizar um trabalho de convencimento corpo-a-corpo dos usuários”, conta Beatriz. Outro empurrão foi uma lei municipal votada na Câmara de Vereadores da cidade que proibia o motorista de receber a passagem em dinheiro. Diz a diretora: “Em vez de nos desestimular, isso nos deu a certeza de que era preciso acelerar o processo de migração para o pagamento totalmente eletrônico”

A estratégia então foi ampliar gradativamente o número de linhas sem cobrador, cuidando ao mesmo tempo de várias frentes. A primeira tarefa era oferecer opções para que os cobradores e cobradoras mudassem de função. O consórcio, por exemplo, pagava o processo de obtenção da licença para os que quisessem se tornar motoristas, ou cursos de capacitação para que assumissem tarefas administrativas. Alguns cobradores optaram por se tornar revendedores autônomos de bilhetes, dentro do esforço para aumentar a rede credenciada, feita de bairro a bairro e de maneira planejada (hoje são 60 pontos de atendimento, para um total de 35 mil passageiros/dia na cidade). Ao mesmo tempo, os funcionários administrativos arregaçaram as mangas e foram para a linha de frente. Ao longo de vários meses eles deram plantão dentro dos ônibus, munidos de cartões zerados, num trabalho de formiguinha para convencer os passageiros a aderir ao sistema eletrônico. O cadastro era feito ali mesmo, no papel, e depois carregado manualmente no sistema.

“Nós trabalhamos o tempo todo junto ao consórcio para adaptar as soluções ao momento e às necessidades que iam surgindo”, conta o diretor de tecnologia da Empresa 1, Marcionilio Sobrinho. “Ao mesmo tempo em que a Empresa 1 trabalha com o que há de mais avançado no mundo em soluções para o transporte público, temos a expertise em fazer os ajustes necessários aos desafios que nossos clientes encontram diante da realidade brasileira”, completa.

O esforço valeu a pena. Hoje todas as linhas já estão com o sistema em funcionamento, sem cobradores. Mesmo após a revogação da lei que proibia os motoristas de receber em dinheiro, pouquíssimos passageiros optam por este tipo de pagamento. A implantação da rede credenciada também trouxe outra vantagem: hoje cerca de 85% de todos os valores que circulam no sistema é totalmente eletrônico, incluindo a recarga. O componente humano também faz toda a diferença: o consórcio prioriza a fidelização dos credenciados, através de incentivos progressivos aos bons vendedores e bons pagadores. E também prioriza os pequenos empreendedores, que conhecem a vizinhança, vêm no credenciamento uma vantagem competitiva e trazem dinamismo à economia dos bairros. Assim, toda a cidade ganha, com passagens mais baratas, mais conforto no transporte público e mais passageiros usando o sistema.

 

 

 

 

 

Case documentado em 2018.

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